domingo, 24 de fevereiro de 2008

Quem Tem Pressa Não Se Interessa - Humberto Gessinger - Engenheiros do Hawai - A Revolta dos Dândis (1987)

Quando você me olha
Com seu olhar tranqüilo
Sempre diz que falta algo
Ou isto ou aquilo
Você não entende
E se surpreende
Seu olhar já não está tranqüilo
Mas quem tem pressa
Não se interessa
Por questões de estilo
(Questões de estilo)

As vozes oficiais dizem:
"Quem sabe..."
Dizem: "talvez..."
Enquanto os vídeos e as revistas
Mostram imagens sem nitidez
Você se espanta:
"Há tanta coisa nos jornais!"

Mas quem tem pressa
Não se interessa

Em andar rápido demais
(Rápido demais)

Eles têm razão
Mas a razão é só que eles têm
A lâmina ilumina a mão
A lâmpada cria a escuridão
Há muita grana atrás de uma canção
O tempo que nos gera também gera generais
O tempo nunca espera que cheguem os comercias
(Os comerciais)

Nas veias abertas
Da América, menina
Um mar vermelho de sangue
Leva navios piratas,
Negociatas, concordatas,
Candidatos democratas,
Sucos e sucatas
Ternos e gravatas
Secando cataratas e lavando as mãos
Dando a impressão de que
Na areia movediça nada se desperdiça


Comentário : Imagine uma viagem dentro de um trem bala a muito mais de 200 km/h. Com certeza não teríamos a mínima possibilidade de apreciar a paisagem. Que desperdício de oportunidade. E hoje a vida cotidiana é parecida com essa viagem. Vivemos apressados e deixamos passar muitas sutilezas importantes em nossas vidas: pessoas, emoções, experiências. E aonde será que vamos chegar com tanta pressa? Na letra podemos perceber, se lermos com paciência, que o autor nos mostra imagens conteporâneas, que ilustram a distorção de valores que alimentamos: nos alimentamos de imagens voláteis (televisão, revistas de fofocas, etc) e consideramos inócuas e chatas atividades que pedem uma demanda maior de tempo para usufruí-las, como a leitura, um bom papo cheio de conteúdo. Leia novamente as duas estrofes desta letra e reflita sobre elas. E dentro desse tema, faço uma sugestão de leitura: Devagar de Carl Honoré. E lembre-se de que, quem tem pressa, não se interessa.

José Rosa (ZeRo S/A)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Ouro de Tolo - Raul Seixas - Krig-Ha, Bandolo! (1973)

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um Corcel 73
Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa
Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa
Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: E daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes
Pra conquistar, e eu não posso ficar aí parado
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família ao Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos
Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou
policial
Que está constribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarda cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas que separam
quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas que separam
quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador

Comentário: O filósfo Artur Schopehauer dizia que a vida é sofrimento porque é um constante querer eternamente insatisfeito e que a satisfação de um desejo é como a esmola que se dá ao mendigo, só consegue manter-lhe a vida para lhe prolongar a miséria. Vejo que a letra da música Ouro de tolo reflete essa filosofia de descontentamento eterno e se atentarmos para nossas atitudes, poderemos perceber que muitas de nossas tristezas se alinham a essa forma de pensar. Ainda mais nos dias atuais que o mundo inteiro tornou-se um vitrine.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Não Sou Mais Disso - Zeca Pagodinho e Jorge Aragão - Zeca Pagodinho - Deixa Clarear (1996)

Eu não sei se ela fez feitiço
Macumba ou coisa assim
Eu só sei que eu estou bem com ela
E a vida é melhor pra mim
Eu deixei de ser pé-de-cana
Eu deixei de ser vagabundo
Aumentei minha fé em Cristo
Sou bem-quisto por todo mundo

Na hora de trabalhar
Levanto sem reclamar
E antes do galo cantar
Já vou
À noite volto pro lar
Pra tomar banho e jantar
Só tomo uma no bar
Bastou
Provei pra você que eu não sou mais disso
Não perco mais o meu compromisso
Não perco mais uma noite à-toa
Não traio e nem troco a minha patroa

Comentário: A paixão é um feitiço? Um encantamento? Para Zeca Pagodinho e Jorge Aragão parece que sim. Ela é capaz de recuperar um vagabundo e transformá-lo em um "homem sério".
Lendo essa letra , a gente até consegue imaginar a figura do cara antes e depois de ser resgatado pelo amor de sua amada. Ela traz uma linguagem simples (e não simplória como as letras das bandas de pagode mais populares), mas muito bem trabalhada. É a essência do samba.
Uma curiosidade sobre esta letra é que ela mostra claramente uma forte característica cultural brasileira: o sincretismo religioso. Ao mesmo tempo que ela meciona feitiço e macumba, também faz referência a Jesus Cristo.
Isso é Brasil!

ZeRo S/A (José Rosa)